25 janeiro, 2012

Tom Sawyer e a cerca

Quando a tia viu o estado de suas roupas, resolveu definitivamente transformar-lhe o feriado de sábado em prisão com trabalhos forçados.
Chegou a manhã de sábado, manhã de verão, clara, fresca, transbordante de vida. Tom apareceu na calçada com um balde de cal e uma broxa de cabo comprido. A vida pareceu-lhe um fardo. Deu duas pinceladas, comparou com o pedaço de madeira pintada com o resto ainda por caiar e sentou-se, desanimado, num caixote...
...
Ben Rogers surgiu e a zombaria dele era a que Tom mais receava.
...
Nesse momento sombrio e desesperador, veio-lhe uma inspiração. Pegou a broxa e continuou a trabalhar tranquilamente.
Tom examinou a última pincelada com ar de artista, deu mais um
retoque, observou de novo. Tinha a boca cheia d’água por causa da
maçã. Porém continuou o trabalho.
Ben perguntou:
— Olá, velho, você tem de dar duro, não?
— Olá, Ben, eu não tinha visto você.
— Escuta, vou nadar. Você dava tudo para poder ir também, hein?
Mas você prefere trabalhar, é claro!
— Que é que você chama de trabalho?
— Ora, então, isso aí não é trabalho?
Tom respondeu despreocupadamente:
— Depende de quem faz. Só sei que me agrada.
— Essa não! Quer me dizer que gosta disso?
A broxa subia e descia.
— E por que não? Não é todo dia que um garoto tem oportunidade de
caiar uma cerca.
A explicação dava ao caso um novo aspecto. Ben parou de roer a
maçã e interessou-se. Finalmente propôs:
— Tom, me deixa caiar um pouco. Tom estava a ponto de consentir,
mas mudou de idéia.
— Não, você não sabe fazer isso; Tia Polly é muito exigente com esta
cerca. Se fosse a cerca dos fundos, vá lá. Não há um rapaz em mil,
talvez dois mil, que saiba pintar direito uma cerca destas.
— Não diga! Vamos, me deixa experimentar um pouquinho.
— Ben, palavra de honra, eu gostaria... mas Tia Polly... Ela não deixou Jim. Nem Sid. Compreende? Você poderá errar...
— Ora bolas, tomo todo cuidado. Deixa.
Olha, fica com um pedaço da minha maçã.
— Bem, assim... Não, tenho medo. Já disse, não!
— Toma a maçã toda!
Tom cedeu, mostrando relutância no rosto, mas com o coração em
festa. De vez em quando aparecia um rapaz para zombar e acabava
ficando para trabalhar. Quando o “Big Missouri” pregou, Tom já havia
negociado a vez com Billy Fischer em troca de uma pipa em bom estado.
Pelo meio da tarde, Tom, o pobre rapaz da manhã, estava com os bolsos
cheios.
...
Se não fosse a cal ter faltado, Tom arruinaria todos os garotos do vilarejo.
Ainda que involuntariamente, Tom acabara de descobrir uma importante lei da sociedade humana: para que algo desperte a cobiça de alguém, basta torná-lo difícil. Se ele fosse um filósofo, como o autor deste livro, certamente já teria compreendido que o trabalho é qualquer ato que uma pessoa é obrigada a executar; e a diversão é todo ato que uma pessoa executa sem ser a isso obrigada.





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