18 julho, 2012

Paris é uma delícia

Se tivesse que escolher um só livro para carregar na mochila, este livro seria Paris é uma festa, de Ernest Hemingway.
Na minha opinião, Hemingway é o melhor dentre todos os artistas da geração perdida. Em Paris, sempre que eu tomava uma cerveja perto da Sorbonne ou fazia uma refeição em um café perto do Sena, eu me perguntava: Será que Hemingway já se embriagou neste lugar? Será que já paquerou uma mademoiselle neste mesmo balcão?
Provavelmente a resposta seja afirmativa para todas estas perguntas, já que ele morava naquele bairro e frequentava a boemia daquela região.
Gosto deste livro especialmente por ser autobiográfico e por refletir a personalidade bon-vivant de Hemingway, um cara que sabia saborear a vida. Embora nesta época tivesse pouco dinheiro, ele sabia aproveitar, comendo pães com linguiça às margens do Sena ou tomando rum nos pubs, sempre com um caderninho no bolso interno do casaco (não, não era Moleskine, era um caderno modesto de capa azul, dois lápis e um apontador). Hemingway me inspira a viver uma vida memorável.
Trechos de Paris é uma festa, meu eterno livro de cabeceira:

"Uma moça entrou no café e sentou-se perto da janela.
Era muito bonita, com um rosto fresco como moeda acabada de cunhar, se é que se possa cunhar moedas em carne tão macia, coberta de pele umedecida pela chuva. Seus cabelos eram negros como a asa de um corvo, cortados rente e em diagonal à face.
Olhei para ela, senti-me perturbado e numa grande excitação. Desejei colocá-la no meu conto, ou noutra parte qualquer, mas a moça se colocara de maneira a poder acompanhar o movimento da rua e da entrada do café, e compreendi que estava à espera de alguém. Por isso, continuei a escrever.
O conto escrevia-se por si próprio, e eu tinha dificuldade em conduzi-lo. Pedi outro rum Saint James, observando a moça todas as vezes que levantava os olhos ou quando fazia a ponta do lápis, com um apontador, deixando as raspas encaracoladas no pires que tinha sob o cálice.
- Eu te vi, oh beleza, tu me pertences agora, seja quem for que estejas esperando e mesmo que nunca te veja mais em toda a minha vida - pensei. Tu me pertences, toda Paris me pertence e eu pertenço a este caderno e a este lápis.
Voltei a escrever, entrei a fundo na história e me perdi nela. Agora quem a escrevia era eu; o conto não se escrevia mais a si próprio, de modo que não tornei a levantar a cabeça. Esqueci-me do tempo, do lugar em que me encontrava e nem sequer mandei vir outro rum Saint James. Cansara-me dele sem pensar nisso. Terminei o conto, afinal, sentindo-me realmente cansado. Reli o último parágrafo e, quando levantei os olhos à procura da moça, não a encontrei mais. Tomara que tenha ido com um homem decente, pensei. Mas sentia-me triste."

"- Ah, uma coisa eu aprendi bem.
- O quê?
- Que nunca se deve viajar com uma pessoa a quem não se ame.
- E não é bom ter descoberto isso, Tatie?
- Claro que é. E iremos à Espanha, nós dois.
- Ótimo. Faltam apenas seis semanas para partirmos.
E ninguém nos atrapalhará este ano, não é?"

"- Voltaremos então para casa, comeremos aqui mesmo, teremos um jantarzinho delicioso, beberemos o Beaume da cooperativa que podemos ver daqui da janela, pelo preço indicado na vitrina. Depois leremos um pouco e, mais tarde, iremos para a cama fazer um amorzinho gostoso.
- E nunca amaremos a qualquer pessoa tanto quanto amamos um ao outro.
- Não. Nunca."






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